Pintar ou fazer amor, de Arnaud e Jean-Marie Larrieu
por Regina Trindade
Pronto. Mais um filme francês no Metrópolis. Huhu! Novidade. Um título nada sugestivo, parecendo tradução malfeita. Mas era o que tinha para o dia, ainda mais agora, que tenho o dever (oh grande esforço!) de ir ao cinema.
Primeira cena, aparece o título original: Peindre ou faire l’amour. A tradução era literal. Nem tudo anda de acordo com minhas pretensões. Nem tudo mesmo. A primeira cena nos joga num bucólico campo francês, numa cidade minúscula do norte do país. Um plano geral estupendo, lindo; montanhas com picos de neve contrapondo-se com o verde brilhante da grama. Uma mulher de meia-idade com um cavalete, tentando pintar algo, é surpreendida por um homem cego, que sente sua presença pelo cheiro da tinta. Os dois conversam, e descobre-se depois que ele é o prefeito daquela cidadezinha. O homem diz que há um chalé à venda, e os dois vão “vê-lo”. A mulher se interessa e conversa em casa com o marido; os dois, recém-aposentados, mudam-se para o dito chalé. Ponto. Até aí, nada mais tipicamente francês. Se fosse uma narrativa comum, o filme se estenderia na chatice, um casal relembrando a vida ou bebendo vinho o tempo todo ou comendo queijo ou tudo isso ao mesmo tempo. E só. Mas foi aí que eu caí do cavalo. Lembram-se das minhas pretensões? Pois então…
O casal William e Madeleine (Daniel Auteuil e Sabine Azéma), conhece outro casal: Adam e Eva (Sergi Lopez e Amira Casar), seus vizinhos. Adam é o prefeito cego e Eva, sua primeira-dama; ambos travam uma interessante amizade com o par ao lado. Interessante mesmo. As cores, o clima e o cheiro da tinta mergulham os personagens numa nuvem envolvente, densa, sedutora. Os jantares promovidos pelos donos do chalé são confraternizações no sentido mais literal da palavra, onde um, realmente, divide-se com o outro. O estereótipo de marido e mulher de meia-idade cansados e comedores de queijo é derrubado. William, Madeleine, Adam e Eva tornam-se um só, partilham amores e ódios, estranham-se e misturam-se como tintas para dar o tom perfeito. Falando em claras palavras, os casais trocam-se com fins sensuais e sexuais, tudo muito sutilmente trabalhado.
A estética limpa do longa não permite que a relação “adúltera” pareça vulgar. Pelo contrário. O relacionamento deles dá-se de forma tão delicada e é introduzida na cena no momento certo e com tanto cuidado que o espectador (eu) preocupa-se que a viagem de Adam e Eva e a ameace a “manutenção” do quarteto.
Os atores, maravilhosos, nada piegas. O cenário, encantador. A trama, perfeita. Sabine Azéma ficou fantástica como Madeleine, passando uma doce loucura e uma neurose cômica que é de balançar a alma. Sergi Lopez faz o cego mais sagaz que eu já vi; sua cegueira é apenas uma característica de sua individualidade e não um impedimento. Daniel Auteuil mostra um William sóbrio, mas suscetível às tentações. E Amira Casar, linda, magnífica e louca como Eva, que tenho certeza ter hipnotizado os marmanjos da platéia.
O filme brinca com percepções em algumas cenas. Um momento digno de reprodução é o passeio às cegas pela floresta, onde só é possível escutar e não ver. Personagens e espectadores entram no universo de Adam, e experimentam uma diferente sensação numa sala de cinema: as imagens, base de qualquer filme, desaparecem, dando lugar apenas à escuridão. O conceito de “ver” é quebrado. Naquele momento, o importante era sentir.
No final da sessão ouvi dizer, por alto, que o filme é ruim porque não tem clímax. Doeu os ouvidos. Idéia hollywoodiana, batida e batida. Não são necessários turbilhões de vento e a descoberta da Kriptonita para um filme ser bom. Ele é bom se toca aquele que vê, se passa alguma mensagem. Minto. Às vezes, não precisa passar mensagem alguma, basta fazer sentir. Talvez em “Pintar ou fazer amor” o clímax seja a mudança do comportamento do casal William e Madeleine. Ou talvez não. Mas será que isso realmente importa? Uma obra de arte não pode ser descartada pela “falta de sentido”. Eu percebo que um jeito, fulano percebe de outro, e por aí vai. Isso que vale: despertar diferentes sensações em diferentes indivíduos, sem nunca perder o desejo.
P.S.: Por que separar? Pintar ou fazer amor? Por que OU? Pintar é fazer amor.
Ou.. pintar E fazer amor, por que não? hehehe
Boa crítica, Da Glória!
Realmente cinema, e me permito incluir junto a ele o vídeo, é produzir sensações. Sensações, sentimentos, pensamentos diversos. Cinema e vídeo é transmissão. Quem vê, sempre se contamina com algo.
Beijo,
tá
fonte desconfigurada
sô analfabeta funcional ainda.
“A primeira cena nos joga num bucólico campo francês, numa cidade minúscula do norte do país.”
Grenoble não é nenhuma cidade minúscula e muito menos situa-se no norte da França!
Alguém sabe quem canta NATURE BOY que toca na trilha deste filme?